quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Pôbre agricurtô de suó todo muiado

Enquanto debulha as espigas miúdas que sobreviveram à seca, o agricultor baiano espia com o rabo do olho o porquinho magro que passa correndo: "esse aí é para uma precisão maior", explica.

Não me esqueço da cena, que ocorreu por volta de 1990, em algum rincão do Vale do São Francisco, próximo a Bom Jesus da Lapa, numa das reportagens que fiz para a Folha de S.Paulo no sertão nordestino. Aquele agricultor já havia perdido várias safras. Umas por excesso de chuvas; outras por estiagem. Mas não desistia de plantar sua roça.

Sempre admirei o estilo simples e ao mesmo tempo preciso do nordestino contar a vida. A maioria das reportagens que fiz por lá já chegavam prontas à redação. Eram simples relatos do que eu ouvia. Bastava abrir aspas e fechar aspas, porque ninguém sabe contar melhor uma história do que o sertanejo.

Esta linguagem substantiva,dura e enxuta é a principal característica do escritor alagoano Graciliano Ramos. Não sobram e nem faltam palavras em seu texto conciso e ao mesmo tempo preciso.



Todo este nariz de cera, como se diz no jornalismo, é para falar do grande poeta nordestino, Patativa do Assaré, que este ano completaria 100 anos. Antônio Gonçalves da Silva morreu em julho de 2002 no sertão de Cariri, no Ceará, de onde nunca saiu. Ele próprio conta a sua vida no poema autobiografia:


No diminuto terreno
Que recebemo de herença,
Cumecei derde pequeno
Na minha penosa infança
Sendo pobre agricurtô
Topando frio e calô
De suó todo muiado
Derde os pé inté o rosto
De tudo pagando imposto
Sem ninguém tê me ajudado