sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

"ONGS CONTROLAM MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE", DIZ ALDO REBELO


Prudência e temperança. Esta é a receita bem baiana do deputado federal Aldo Rebelo (PC do B-SP) para o novo Código Florestal brasileiro, que deve ir ao forno em abril próximo.
Relator da Comissão Especial que examina o tema, Rebelo, porém, "perdeu a mão” e acabou por desandar o molho, ao trocar farpas com o ministro Carlos Minc, do Meio Ambiente.
“Eles [Minc e os ex-ministros] são todos os meus amigos, mas a agenda do Ministério do Meio Ambiente há muito tempo é controlada pelas ONGs estrangeiras”, acusa Rebelo.
Nesta entrevista à revista Agroanalysis de março, que chega ao assinante nas próximas semanas, Rebelo diz que o Brasil não pode continuar prestando contas com a União Européia e os Estados Unidos na questão ambiental.

AGROANALYSIS Como foram as audiências públicas que a Câmara dos Deputados promoveu nos últimos meses para debater o Código Florestal?
ALDO REBELO
Muito reveladoras. Percorremos vários Estados do Nordeste, Centro-Oeste, Sul. Fui a Manaus, fui a duas cidades de Roraima, e colhi um retrato bastante preocupante, que vai exigir uma solução muito criativa para dar conta das duas exigências desta legislação: proteger o ambiente e proteger a aspiração legítima do país e das populações ao desenvolvimento e à produção.

AGROANALYSIS O que mais preocupa os produtores? O que mais os assusta?
REBELO
O país é muito desigual. É mais fácil resolver o problema da reserva legal de 80% na Amazônia do que resolver o problema dos 20% em São Paulo. O Amazonas tem 98% de cobertura vegetal original, e São Paulo a gente não sabe o que ainda resta, não tenho essa estatística, mas é muito pouco. Mas, ao mesmo tempo, quando você olha, as dificuldades são parecidas nos assentamentos de sem terra e na grande agricultura intensiva de capital e tecnologia. Se o código for aplicado do jeito que está hoje, você vai confiscar capital, área produtiva, vai gerar desemprego, redução de renda e tributos, criar um processo de reconcentração da propriedade na terra, porque os pequenos proprietários têm mais dificuldade de se adequar a uma legislação ambiental muito rigorosa. As estatísticas já mostram que há um processo de reconcentração. Os pequenos produtores têm medo, estão inseguros, e isto está desvalorizando o preço da terra em algumas áreas, como Rondônia. O presidente da Federação dos Trabalhadores da Agricultura de Rondônia disse que, no município de Machadinho, viu na estrada 18 placas de glebas postas à venda. A razão é a questão ambiental. Isto está gerando também uma reconcentração demográfica, porque as pessoas abandonam o campo e vão para cidade. Fizeram uma pesquisa em Santa Catarina, para saber a origem das pessoas que trabalham com coleta de lixo, e descobriram que a maioria veio do campo.

AGROANALYSIS O produtor rural sempre foi visto como um desmatador, um sujeito que destrói as florestas.
REBELO
O processo de ocupação da terra no Brasil, não apenas aqui mas também na Europa, na Alemanha, na França, nos EUA, é um processo de substituição de florestas por lavouras. Em alguns lugares, isto se deu de forma mais intensiva, como foi o caso da Europa e dos EUA. Nós ainda temos 29% das matas do mundo, enquanto na Europa é apenas 0,1%. A agricultura produz não apenas alimentos, mas cultura, diversidade, até música. A França protege seus agricultores para preservar não apenas a segurança alimentar, mas também suas tradições, a sua culinária. Os programas de subsídio na França transformaram o agricultor quase um funcionário público.

AGROANALYSIS O senhor acha possível o produtor brasileiro receber por serviços ambientais?
REBELO
E nós vamos mandar esta conta para quem? O Tesouro não pode tirar este dinheiro da educação ou da saúde. O que fazer? Vamos emitir bônus para que as gerações futuras paguem pela preservação? Portugal, por exemplo, paga 300 euros por cada vaca, para que o produtor evite a brucelose. Nós podemos fazer isto? Não podemos discutir esta questão ambiental, sem levar em contar que os alimentos ficaram 70% mais baratos no Brasil nos últimos 30 anos por conta da eficiência dos produtores rurais. Nós hoje consumimos 70% da carne que produzimos, o que é um benefício para as populações mais pobres, pois eleva o padrão de vida das pessoas. Temos que considerar estas coisas quando discutimos a questão ambiental no campo.

AGROANALYSIS Quais são as questões mais polêmicas do código florestal?
REBELO
São duas coisas: o conceito de reserva legal e de área de preservação permanente, as chamadas APP. Estes dois conceitos não existem como figuras jurídicas em toda a legislação europeia.

AGROANALYSIS Como equacionar isso? O senhor tem alguma solução?
REBELO
Não devemos abdicar do conceito de reserva legal. É um compromisso civilizatório nosso, que foi criado pelo nosso patriarca José Bonifácio, que tinha com isto uma preocupação muito mais econômica do que ambiental, de preservar madeira para a indústria naval, à construção civil e à geração de energia. Uma preocupação louvável. Ele criou a tal da figura da reserva legal, que na época representava um sexto da propriedade. Mas, naquele tempo não existia pequena propriedade. E se media a terra por léguas. Uma légua corresponde a 6 km. Nós precisamos hoje resgatar o conceito de reserva legal, resgatar principalmente o conceito de área de preservação permanente, que é o mais importante deles, porque protege a água, a fauna, a flora e o corredor biológico. Nós temos buscar um equilíbrio, de forma a proteger o ambiente sem destruir o sistema produtivo nacional.

AGROANALYSIS É possível fazer um código florestal nacional? Ou devemos construir códigos estaduais?
REBELO
É preciso combinar a legislação nacional com as condições de cada Estado. É impossível você tratar da mesma forma as questões ambientais de São Paulo e da Amazônia.

AGROANALYSIS Como dá pra fazer isso na prática?
REBELO
É exatamente o que nós estamos procurando. Se eu tivesse descoberto, já teria fechado o meu relatório [risos]. Estamos partindo das necessidades para encontrar a solução. A legislação é concorrente. Você tem que ter a legislação nacional, mas também a do Estado, como sempre foi. Se você pegar a legislação florestal brasileira de 1950, do saudoso Duarte Pereira, ele faz o exame comparativo da legislação florestal de país por país. Ele aborda umas três dezenas de países, e faz a comparação também dos estados brasileiros. Por exemplo: é obrigatório o conceito de reserva legal? É. Agora como é que São Paulo vai aplicar esta reserva? É por propriedade? É por microbacia? Você vai computar na reserva os parques nacionais, as áreas de proteção? Se você fizer uma reserva num local onde não tem água, por exemplo, você vai fazer um criatório de roedores. Estamos atrás de uma solução, mas o que não podemos fazer é cair numa polêmica que não atenda os interesses do país, numa briga entre ambientalista e ruralista.

AGROANALYSIS Mas o senhor tem criticado a atuação do Ministério do Meio Ambiente, inclusive sustentando polêmicas com o ministro Carlos Minc.
REBELO
O Ministério do Meio Ambiente tem uma agenda pautada por interesses que não são os do Brasil.

AGROANALYSIS O senhor está dizendo que as ONGs controlam o Ministério do Meio Ambiente?
REBELO
Há muito tempo, lamentavelmente. A grande maioria destas ONGs são organizações locais. Vendem cursos. Algumas poucas têm sede na Europa e acesso a financiamento externo e a dinheiro público. Elas estão entrando nos negócios de crédito de carbono. Esta questão ambiental transformou-se num grande negócio. No Brasil hoje, você tem áreas onde os pequenos camponeses estão sendo expulsos, porque são áreas de preservação ambiental. Por que estas ONGs recebem tanto financiamento? Qual é o interesse? Ora, temos de um lado uma agricultura forte em um país frágil, que é o Brasil, e de outro, uma agricultura altamente estatizada, nos países da Europa.

AGROANALYSIS Quando o senhor fala que há muito tempo o Ministério do Meio Ambiente está sendo controlado pelas ONGs, quer dizer antes mesmo do governo Lula?
REBELO
Claro, mas não quero falar em nomes porque são todos meus amigos. Eu prefiro falar da agenda. Há vários governos, a agenda e a pauta do meio ambiente vêm sendo empurradas por ONGs. Parece que nós não prestamos contas ao nosso país e ao nosso governo, mas sim à comunidade europeia, aos EUA e aos organismos multilaterais. Não que nós não tenhamos que prestar contas, tudo bem, nós temos responsabilidade com o mundo na questão ambiental. Mas temos também responsabilidade com o nosso país, com a produção de alimentos, com a defesa da nossa agricultura e dos agricultores. Eu não posso fazer nada para que a França pare de subsidiar os seus agricultores, nem Portugal, nem a União Europeia, nem os EUA. Agora, eu também não posso, como legislador brasileiro, contribuir para arrebentar com a nossa agricultura.

AGROANALYSIS O senhor acha que esses dados sobre aquecimento global possam estar sendo manipulados?
REBELO
A agricultura foi responsabilizada pelo aquecimento global. Eles descobriram que o boi da Amazônia é responsável pelo metano, que causa o aquecimento global. Eu brinquei com o Minc que daqui a pouco eles vão proibir a festa de Parintins. O boi está na Amazônia desde o século 18. Por volta de 1800, já existiam fazendas na Amazônia, que plantavam cana e criavam gado. O Nordeste brasileiro foi ocupado com o boi na frente e o vaqueiro atrás. E agora você vai dizer que o boi é responsável pelo problema ambiental?

AGROANALYSIS O que fazer com a Amazônia?
REBELO
Tem um município na Amazônia chamado Labrea. Este município foi incluído naquela Operação “Arcos de Fogo” da Polícia Federal, destinada a coibir o desmatamento. O prefeito de lá disse, olha nós temos aqui 96% de cobertura florestal original, se a nossa reserva legal é de 80%, nós temos mais 16% para produzir e ocupar. Um município como este fica condenado, não pode produzir nada. As pessoas na Amazônia estão inclinadas a aceitar os 80% de reserva legal. Temos que ter é responsabilidade. As terras de Rondônia, por exemplo, são boas para o café, o cacau e a criação de gado. Roraima tem uma área do tamanho do Estado de São Paulo, com produtividade de soja maior do que a do Paraná. O arroz lá rende mais do que no Rio Grande do Sul. E isto tudo foi desestabilizado. Roraima hoje compra farinha de mandioca do Paraná, etanol de São Paulo, leite de Roraima. Não pode produzir açúcar, não pode produzir arroz. Se aquela região fosse um país, iria aceitar uma condição desta? Agora você tem duas legislações: uma para o Brasil e outra para a Amazônia. Qualquer hora vai surgir um maluco na Amazônia e dizer que deste jeito não dá.

AGROANALYSIS Qual é a solução? Permitir a expansão da pecuária na Amazônia?
REBELO
Temos que combinar a preservação dos 80% com a ocupação dos 20% com a atividade produtiva. É o patrimônio que eles têm. Não podemos condená-los à uma economia de coleta. Obrigá-los a regredir a uma economia de coleta, à economia pré-capitalista. Vai todo mundo para Manaus, viver debaixo da Zona Franca. Os índios da Amazônia têm aquela prática de fermentar a mandioca dentro da água, e isto foi proibido, imagina só. Disseram que a mandioca polui o rio. O difícil foi explicar aos pajés.

AGROANALYSIS Os 80% de reserva legal na Amazônia passaram a valer no governo Fernando Henrique. Antes eram 50%.
REBELO
É isto mesmo. Por volta de 1998/1999, sem consultar ninguém, nem o IBAMA, o governo mudou o percentual por Medida Provisória, por causa do aumento das queimadas na Amazônia. Numa canetada só colocaram um monte de gente na ilegalidade. A solução deve ser encontrada com equilíbrio, com prudência, com temperança, preservando o compromisso do país com o meio ambiente e também preservando o emprego, a renda no campo, a agricultura e a pecuária.

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