sexta-feira, 13 de novembro de 2009

MUNDO EM TRANSE



Daqui a duas semanas, chega às livrarias “Mundo em Transe, o novo livro do professor José Eli da Veiga, 60, da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA-USP). Pesquisador associado do “Capability and Sustainability Centre” da Universidade de Cambridge, colunista do jornal Valor Econômico e da revista Página 22, José Eli é um especialista em desenvolvimento sustentável, tema a que se dedica desde os anos 70, quando era considerado um lunático.
“Hoje até grandes empresas como a Walmart e as usinas de cana-de-açúcar de São Paulo, que 20 anos atrás poluíam os rios com vinhoto e destroiam as matas ciliares para ocupar tudo com lavoura, estão preocupadas com as questões socioambientais”, diz o professor José Eli.

Sustentabilidade virou uma espécie de palavra da moda. Tudo virou sustentável. O que é de fato sustentável? Qual é o critério?
José Eli da Veiga -
Passei um tempo na Inglaterra estudando a questão socioambiental. Agora, em dezembro, vou lançar um livro, “Mundo em Transe”, cujo subtítulo é “do aquecimento global ao ecodesenvolvimento”. De certa forma, acho positiva essa busca pela sustentabilidade. Nesses projetos o pessoal está procurando assumir a sua responsabilidade socioambiental. Sustentabilidade não é uma coisa que possa ser avaliada num projeto só, não existe uma empresa sustentável. Se a empresa for responsável na área socioambiental, ela certamente estará contribuindo para a sustentabilidade. A sustentabilidade é uma idéia que surgiu especificamente por causa da questão ambiental, depois é que veio esse contrabando de que tudo tem que ser sustentável: político, econômico, social. O desenvolvimento é uma coisa social, não é uma coisa microeconômica. Não adianta você me apresentar um projetinho, dizendo que é sustentável porque não está causando nenhum tipo de impacto ambiental. Isso não quer dizer que seja sustentável, porque se estiver inserido numa sociedade não-sustentável dá na mesma. Se uma empresa tem responsabilidade socioambiental, que é um código de ética, aí sim ela vai contribuir para que a sociedade venha a ser sustentável.

Hoje o trabalho do Walmart nesta área socioambiental é impressionante.
Eles cuidam de tudo: da água, dos resíduos sólidos, e influenciam muito
os fornecedores e os próprios clientes


Quais são as empresas verdadeiramente sustentáveis hoje no Brasil e no mundo?
Zé Eli -
Existem muitas empresas que têm responsabilidade sócio-ambiental, mas a maioria nem entrou na onda, porque são pequenas e médias empresas que nem têm como pensar nesse assunto. Mas as grandes empresas, que estão muito expostas ao consumidor e ao mercado externo, não podem mais ignorar o assunto. Aconselho o livro do Roberto Smeraldi (O Novo Manual de Negócios Sustentáveis, do Publifolha) e tem um outro que chama Experiências Empresariais em Sustentabilidade, do Fernando Almeida, publicado pela Campus. Lá você pode conhecer os critérios. Aqui no Brasil a empresa que está há mais tempo na área e faz uma coisa séria é a Natura. Porque o grupo é mais consciente. É lógico que eu não posso por a mão no fogo, porque eu não fiz nenhuma auditoria para avaliar. Mas me parece um trabalho sério. Tem também um grande grupo multinacional, o Walmart, que está fazendo um grande trabalho. Eles foram grandes vilões no passado, mas deu um clique, a matriz mudou e eles se transformaram. Hoje o trabalho do Walmart nesta área socioambiental é impressionante. Eles cuidam de tudo: da água, dos resíduos sólidos, e influenciam muito os fornecedores e os próprios clientes. Na área de alimentação, temos também a Native Alimentos, que produz alimentos orgânicos. Eu estou para experimentar o azeite de oliva deles, que é novo. Eu consumo o café orgânico e o açúcar.

Esses caras defendem que quanto mais melhor,
mesmo que seja porcaria...

Mas o pessoal do agronegócio costuma dizer que a agricultura orgânica não consegue alimentar o mundo. Zé Eli - Isso é coisa do século passado. Este tipo de comentário denota estupidez e cinismo. Não está colocada essa questão de transformar toda a agricultura em orgânica; isto não está na agenda. O mundo não vai continuar com essa população. Dizem que vamos chegar em 9 bilhões de habitantes até o meio do século, mas a tendência é primeiro estabilizar, depois diminuir, então a agricultura vai mudando paulatinamente. Há coisas nos EUA que já são orgânicas. O cara que não é orgânico está ferrado. Quando a população começar a diminuir e houver redução dessa pressão sobre a demanda alimentar, todos vão querer optar pelo preço, em vez de quantidade. Esses caras defendem que quanto mais melhor, mesmo que seja porcaria. Lembro que quando eu cheguei ao Brasil no começo dos anos 80, voltando do exílio, fui conhecer um canavial e vi que eles plantavam cana até dentro do rio, um absurdo. Eu disse isso a eles, mas eles me achavam lunático, folclórico. O negócio era plantar tudo para aumentar o lucro. Agora as usinas são as primeiras a preservar o ambiente. Elas estão convencendo os agricultores, que continuam atrasados. As usinas estão recuperando as matas ciliares, oferecem as mudas e dão assistência técnica gratuita durante quatro anos, ensinando a proteger a nascente. As usinas estão à frente do processo. Por quê? Primeiro porque sentiram no bolso. Elas sabem que não vão conseguir exportar açúcar se não tiver certificação.

Sustentabilidade é bom para o bolso.
Zé Eli -
Quem não proteger mata ciliar e nascente não vai ter certificação nunca. Além disto, teve uma pressão violenta do poder público, via fiscalização da Secretária de Meio Ambiente e, principalmente, do Ministério Público. Tem mais: as pessoas que dirigem essas usinas hoje em dia são jovens que passaram pela Universidade, fizeram uma GV ou USP, e lá estes caras foram confrontados com esse debate. É diferente daquela época em que os dirigentes das usinas eram caras xucros, que nunca tinha freqüentado uma faculdade. Nos anos 70, uma cara que fizesse Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq-USP) a última coisa que ele ia discutir era meio ambiente. Hoje não, o cara que está dirigindo a usina tem uns 40 anos e já discutiu a Rio 92 e coisa e tal. Tudo isto mudou completamente o panorama. Isso não quer dizer que todas as usinas estejam todas assim; há algumas que continuam muito atrasadas, mas é relativamente comum encontrar no interior de São Paulo empresas que estão tentando se modernizar, com responsabilidade socioambiental e que adotam práticas agrícolas menos nocivas para o meio ambiente.

os agrônomos foram formados
a pensar produtos separadamente...

Como você avalia projetos como a moratória da soja, que uniu empresários do agronegócio e entidades ambientalistas como o Greenpeace?
Zé Eli -
A idéia é muito boa, mas eles não conseguiram manter todo mundo. Tem uma parte dos produtores que saiu. A carne é um setor que está indo razoavelmente bem. O que me surpreendeu, depois que o Greenpeace fez aquele estudo sobre o desmatamento na Amazônia por conta da pecuária, foi a rapidez com os supermercados agiram, enquadrando os pecuaristas e os frigoríficos, exigindo rastreabilidade e comprovação da origem.

A agricultura tem uma série de tecnologias que podem contribuir para a redução de emissão de gases efeito estufa, como o plantio direto e a integração lavoura e pecuária.
Zé Eli -
Cheguei da França em 79, falando de integração lavoura e pecuária. Existe um livro que todos que acompanham o agronegócio deveriam ler -- “História das Agriculturas do Mundo”, de Marcel Mazoyer e Laurence Roudart. É um livro é obrigatório. Mostra a importância da integração lavoura-pecuária no processo todo, principalmente no fenômeno europeu, que precede a Revolução Industrial. Não haveria a Revolução Industrial sem o que se chama de Revolução Agrícola. A fusão da pecuária com a lavoura. Isso ocorreu na Europa, a partir do século XVII. Era um processo histórico. A evolução da agricultura em países tropicais foi diferente, e a integração lavoura-pecuária despontou agora, como uma tecnologia, um projeto. Os agrônomos foram formados a pensar produtos separadamente. Na verdade, as grandes agriculturas, as que são mais eficientes, em geral são uma fusão entre agricultura e pecuária, como na própria agricultura os sistemas são consorciados, raramente existe um sistema de monocultura num país.

A CTNBio está péssima, foi muito mal
regulamentada; desde o início

E a biotecnologia. Qual é a sua opinião sobre os alimentos transgênicos?
Zé Eli-
Eu organizei um livro sobre isso, publicado pela Editora Senac, que chama “Transgênicos - Sementes da Discórdia”. Basicamente eu sou contra qualquer posição principista, do tipo Brasil livre dos transgênicos, mas também sou contra as pessoas que tentam minimizar as incertezas e os riscos. Defendo uma posição de caso a caso, com muita pesquisa. Têm pesquisas que são exigidas pelo órgão regulamentador, no caso a CTNBio, e eu não vejo nenhum problema de as empresas tocarem essas pesquisa, desde que seja com um protocolo claro e aberto e com algum tipo de auditoria. Se você tem os protocolos bem estabelecidos e um sistema capaz de avaliar, não importa quem está fazendo a pesquisa.

A CTNBio funciona?
Zé Eli -
A CTNbio está péssima, foi muito mal regulamentada no Brasil desde o início. Toda essa legislação e esse processo no Brasil foi tudo que não podia acontecer, porque a pior coisa é indecisão e se ter maiorias eventuais de um lado e de outro para vetar ou aprovar na marra as coisas. O mais surpreendente nessa discussão dos transgênicos é que há um estudo da Embrapa que comprova que os grãos transgênicos não são rentáveis. Por sorte, o Brasil é grande e pode ter vários tipos de cultivos, inclusive uma zona totalmente livre e uma área só para os transgênicos.

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