quinta-feira, 5 de novembro de 2009

PARADO NO TÚNEL

Deixo o Porto Rubaiyat meio embalado pelo vinho, depois de desgutar peixes da Amazônia maravilhosamente preparados pela Tânia, chefe de cozinha do Lá em Casa, de Belém do Pará, e me enfio no trânsito louco do Itaim. No segundo túnel da JK, o
meu carro pifa. De repente, a realidade cai feito um elefante na minha cabeça. Buzinas, fumaça, gente xingando, berrando, um barulho infernal. O vinho vira vinagre no meu estômago. Fecho todos os vidros, ligo o ar e aumento o som do carro. O jeito é relaxar e esperar a ajuda dos amarelinhos. Por via das dúvidas, decido ligar também para o serviço de guincho do seguro.
-Liberty, boa tarde, como posso ajudá-lo.
Tento ser trágico, para ver se consigo comover a moça:
-Minha filha, meu carro quebrou no meio do túnel, e estou sendo ameaçado por motoqueiros mal encarados. Preciso de socorro rápido.
- Pois não senhor, qual é o número da placa do seu carro.
- XXXX
- Um momento senhor, estou checando no meu sistema. [e entra uma musiquinha chata]
- Alô???
- Um momento senhor, estou checando no meu sistema. Tenha um pouco de paciência...
- Paciência? Estão querendo me linchar aqui!
- Qual é o número do seu CPF, senhor?
- xxxxxxxx-xx.
- Obrigado senhor. Qual é o local do sinistro?
- Boa pergunta! Não me lembro do nome desta avenida, mas é bem conhecida. Ela liga a Marginal Pinheiros ao Ibirapuera, estou logo depois do cruzamento da Faria Lima, no segundo túnel, pouco antes do acesso à Vila Mariana.
- Sinto muito, senhor. Preciso saber o nome exato da avenida. O sistema exige. O
senhor não pode perguntar a alguém por aí?
- Minha filha, estou sufocado pela fumaça, num túnel barulhento, sendo hostilizado por motoristas e motoqueiros. O que você sugere que eu faça. Que eu pule no meio da pista, agarre um motoqueiro pelo cangote e pergunte o nome da rua.
Silêncio.
Resolvo me arriscar: salto do carro e me jogo na frente de um táxi, com um celular na mão.
- O senhor é maluco???!!!
- Não, só tenho hipertensão e um pouco de ansiedade. Qual é o nome desta rua?
- JK, seu lesado!
- Minha filha, você ouviu? O nome da rua é JK, estou no segundo túnel, me manda ajuda, por favor.
- Sim senhor, "estaremos providenciando", mas o senhor tem que ter um pouco de
paciência, porque estamos na volta do feriado.
- Mas o feriado foi na segunda; hoje é quarta!
- A demanda está alta, senhor. Mas já estamos entrando em contato com o guincho.
Neste meio tempo, um carro estaciona na minha frente e sai um sujeito com cara de pastor da Universal. Finalmente alguém para me salvar!
- Tudo bem aí, senhor?
- Tudo ótimo!, digo. A vista aqui é maravilhosa e o ar é fresco, só falta uma cervejinha e uma porção de azeitonas. Penso, mas não digo.
- Eu vou lhe dar uma dica. O senhor deveria estacionar o seu carro mais próximo à guia; aí daria passagem para dois carros, em vez de apenas um.
O pastor está mais preocupado com o trânsito do que comigo. Ajeitei o carro, seguindo a recomendação, e ele se despediu feliz: "boa sorte, senhor. Espero que a ajuda chegue logo. Fique com Jesus".
Vinte minutos no túnel, e nada. Nem DSV, nem o guincho da Liberty. De repente, pára um quincho da Porto Seguro (juro que não é propaganda), e o mecânico pergunta se não quero ajuda para sair do túnel.
- Lógico, maravilha. Me tira daqui que eu te dou um beijo!
Ele amarra uma corrente no meu carro e logo estou fora do túnel, estacionado numa rua do Itaim. Dou uma caixinha de R$ 10 para o sujeito e ligo para Liberty. Depois de meia hora informando número da placa, cpf, cor da cueca do meu pai etc e tal, consigo chegar ao que interessa com a atendente:
- Porra! Tô há meia hora aqui no túnel e nada!
Tum, tum, tum. A filha da mãe desliga o telefone. Respiro fundo, recito um mantra, ponho um Chet Baker no rádio do carro e ligo de novo.
Nome, cpf, placa, tudo de novo, mas falo com a calma de um monge budista.
- Meu senhor, estamos com problemas. Há muitas ocorrências e poucos guinchos nesta região.
- Minha filha, até a Porto Seguro já me ajudou e vocês nada.
Começo a perceber que estou só nesta aventura. Fecho o carro, alongo a coluna e começo uma caminhada até o posto mais próximo, na avenida Santo Amaro, debaixo de um sol escaldante.
Quando chego ao posto, toca meu celular - é a moça da Liberty:
- Senhor Bruno Blecher? O senhor tem o número do cartão do seguro?
- xxxxxxxxx-xxx-xxx/xxx
- Perfeito. Um momento, que vou consultar aqui no sistema. Musiquinha chata. Obrigado senhor pela espera. Queria informá-lo que em virtude do grande número de ocorrências, teremos que agendar o socorro para o senhor. Para quando podemos marcar?
- A senhora quer agendar o meu socorro no túnel? É isso? Tipo assim: para a próxima semana?
- Não, imagina. Pode ser para amanhã, às 15h. O senhor estará disponível?
Nesta hora, eu não aguentei. Eu o frentista, que ouviu toda a conversa (o telefone estava no viva voz), caimos na gargalhada.

4 comentários:

  1. Nem eu aguentei! ha ha ha ha Tá cada vez mais difícil fazer ficção nesse país, concorrendo com essa realidade maluca. Aliás, meu caro Bruno, assim que soube da delícia gastronômica que vc esta armando no Porto Rubayat, já articulei com a Rosana a nossa ida, quando esperamos poder te encontrar, mas como seu número ficou num celular extraviado pelaí... quando puder me mande por email. Grande aBbraço, Bbandone

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  2. Meu caro Bruno,como sempre lí teu excelente artigo.Fiquei duplamente preocupado com teu problema de atendimento pela Liberty,primeiramente porque entendo teu sofrimento pela ausência caótica do serviço de socorro pelo qual pagastes na tua apólice Liberty.Tú es pessoa de boa índole e nunca merecerias este calvário dentro de um túnel urbano.Esta firma,de primário atendimento senão possuia guincho disponível no momento, deveria te autorizar um valor para usares com outro prestador de serviço para posterior reembolso! A outra preocupação é que infelizmente me tornei cliente desta Liberty porque a firma onde me aposentei optou por esta seguradora para oferecer serviços de seguros.Transferí
    para ela um seguro de veículo e estou tendo péssimo atendimento.Logo após a transferência troquei de carro e foi uma epopéia transferir a apólice para o novo carro.Falta de pessoal com treinamento mínimo. Agora na instalação do rastreador a firma indicada por eles avariou o sistema de fixação e regulagem do assento do motorista.Meu filho já está passando pela mesma e horrível experiência para contactar esta firma.
    Diante desta realidade e do conhecimento dos teus problemas,meu caro Bruno, vou analisar com muito realismo e possívelmente interromper a transferência de seguros de dois outros veículos para estes incompetentes.Lembrando minha passagem a trabalho pela fronteira gaúcha fico pensando "se a nós coube dançar com a mais feia?" Se coube vai ser apenas uma música, pois vou buscar outras prendas.
    Que Deus nos proteja.Um grande abraço do Sebastião Costa Guedes.

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  3. Prezado Bruno:

    Hilário. Como diz o José Simão, é o país da piada pronta. Espero que a repercussão da sua postagem sirva como alerta para essa empresa de fundo de quintal. Um abraço e parabéns pelo blog. Milton Rego

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  4. ...querido Bruno
    ..morri de rir!! me desculpa! voce é fera! seu estilo irônico faz do trágico a comédia mais hilária! mude já!!! ( não é propaganda política!)..de seguradora!!!
    Abraços! Ginha.

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