sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

HOLOCAUSTO BOVINO: UM TIRO NO PÉ

A Carta do Boi, conceituada newsletter da Scot Consultoria, resolveu transformar em polêmica o caso das exportações brasileiras de boi em pé. Tudo bem, embora fosse preferível discutir o assunto com mais razão e menos emoção.

Mas numa polêmica, o primeiro passo é dar nomes aos bois, ou melhor, aos adversários, como este blog fez desde do início desta pendenga. A Scot, porém, cita apenas que “um blog mostra um vídeo clandestino” e menciona ainda uma “ONG”.

No caso, o blog é o meu:

BRUNO BLECHER: jornalista que trabalha há mais de 30 anos no agronegócio, foi repórter de O Estado de S.Paulo, editor por 12 anos do Agrofolha, caderno da Folha de S.Paulo; diretor de Redação do Canal Rural em São Paulo, redator-chefe da Agroanalysis (FGV-SP), colaborador do jornal Brasil Econômico e das revistas Exame, Globo Rural etc e tal).

A ONG é questão é a SOCIEDADE MUNDIAL DE PROTEÇÃO ANIMAL (WSPA-Brasil), entidade reconhecida pela ONU e presente em 156 países.

O autor do relatório “Desvantagens Econômicas Sobre a Exportação Brasileira de Gado em Pé é o professor REINALDO GONÇALVES, titular de Economia Internacional
do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro desde 1993, doutor em Economia pela University of Reading (Inglaterra, 1986) e mestre em economia pela
FGV (1976). Especialista em Economia Internacional, participou e participa como membro e colaborador de diversas organizações relacionadas ao assunto, como BNDES, Nações Unidas (UNCTAD), Conselho Regional de Economia, entre outras. Autor de mais de três centenas de trabalhos publicados em 21 países, escreveu nove livros, é co-autor de 5, e tem capítulos em mais de 30 livros.

Feitas as apresentações, vale ressaltar que enquanto a Scot Consultoria e seus técnicos, caso do Alcides Torres, puderam se manifestar livremente no meu blog, a minha réplica nem foi citada pelo site da Scot Consultoria.

Mas vamos aos fatos!

É evidente que exportar carne bovina, processada e embalada, rende mais dinheiro ao país e gera mais emprego do que exportar boi em pé. Assim como, exportar café torrado e moído é muito mais vantajoso do que vender café verde. Qualquer criança sabe isto. Pergunte à Nestlé.

Ainda assim, não tenho nada contra a exportação de gado em pé. É uma alternativa de negócio lícita e válida.

O que me deixa revoltado e apreensivo é a forma como esses animais são transportados: comprimidos em caminhões, sem espaço para se mover ou deitar; os que caem são pisoteados. Quando chegam ao porto, têm de esperar muitas horas ou até dias para embarcar, presos no caminhão, sem comida e nem água. No navio são novamente espremidos em espaços pequenos e ficam sujeitos à desidratação, traumas e doenças respiratórias. Até bananas viajam com mais conforto.

Há mais de 100 anos é possível transportar carne congelada ou resfriada pelo mundo. O abate humanitário, realizado em um frigorífico próximo à fazenda onde os animais são criados, pode evitar a crueldade do transporte por longas distâncias, além de gerar empregos.

Os argumentos apresentados na Carta ao Boi são inconsistentes. Veja este:

“A questão é que, no que diz respeito à agregação de valor, de geração de renda e de empregos ao longo de cadeias produtivas (?), a análise é mais complexa do que pretende o estudo encomendado por essa ONG”, diz a Carta do Boi.

Alguém entendeu?

A Carta do Boi admite ainda que não abordou a fundo a questão do sofrimento animal. Provavelmente por que acha isto um detalhe. Veja isto:

“Porém, ao final da análise, apontamos que a cadeia produtiva deve trabalhar, como prioridade, na adoção de modelos de boas práticas de produção que envolvam, inclusive, o transporte de animais em longas distâncias”, diz a CARTA.

No momento em que líderes do mundo inteiro estão reunidos em Copenhague para discutir alternativas para a sobrevivência do Planeta, e o mundo inteiro acompanha a conferência, uma importante consultoria da área de pecuária relega para o segundo plano a questão do bem-estar animal, uma obrigação ética de quem cria e engorda bovinos e, mais ainda, uma exigência do novo consumidor global.

Sob o pretexto de defender o pecuarista, a Scot Consultoria dá um tiro no pé. Em vez de apoiá-los incondicionalmente, deveria sim motivar os pecuaristas a discutir e adotar práticas de bem-estar animal.

Hoje em dia se fala muito da qualidade ética da carne, portanto, o sofrimento animal tem que ser considerado sim. Boas práticas de produção não necessariamente incluem o bem-estar animal. O comércio de bois vivos, por exemplo, está voltado hoje para países como Líbano e Venezuela, onde a qualidade ética é desprezada.

Veja mais uma passagem da Carta do Boi:

“Aliás, em uma das afirmações que li a respeito dessa questão, o autor comparou a exportação de bovinos vivos ao transporte de judeus durante o Holocausto. Trata-se de uma inverdade. A mortalidade, hoje (para os exportadores de primeira linha), é baixíssima, quase zero para a Venezuela e menor do que 1% para o Líbano. Os animais, aliás, chegam a ganhar peso durante as viagens, pois são bem alimentados’’, afirma a Carta do Boi

A WSPT tem vários vídeos que comprovam os maus tratos. Se a Scot Consultoria afirma é que isso é uma inverdade, tem que comprovar.

Mais um trecho da CARTA:

“Há um blog que mostra o vídeo de um embarque/transporte realizado em 2005, num dia em que quase tudo deu errado (algumas coisas forçadamente erradas, justamente para chamar a atenção a esse vídeo clandestino, de acordo com informações da associação dos exportadores), dando a entender que essa é a realidade do negócio, e não uma exceção. Parece até que não foram registrados avanços de lá para cá”, diz a Carta do Boi.

As filmagens não foram realizadas em apenas um dia, e ainda que fosse assim: um dia de erros já envolve o sofrimento de milhares de animais.

Atualmente, a taxa de abate clandestino, ou seja, abate realizado sem fiscalização, é de 40%, em condições muito ruins para os animais e para os funcionários. Avanços foram obtidos nos frigoríficos em termos de eficiência produtiva e bem-estar animal. Esse é o caminho que vem sendo trilhado e que deve ser incentivado para as exportações de gado em pé.
Avanços são possíveis sim, mas não importa o quanto melhorem as condições nos navios, com certeza os animais vão continuar a sofrer.

“A densidade tem que ser alta para diminuir o custo do transporte. Os animais foram criados a pasto, e ao ter uma mudança radical para o confinamento no navio, sem padronização de tamanho e idade, e mistura de grupos sociais, ficam submetidos a estresse intenso e a brigas. Isso sem falar da mudança brusca de dieta”, diz o relatório da WSPA.

O imediatismo de alguns pecuaristas (não são todos felizmente) e da Scot Consultoria é procurar esconder com a peneira questões graves como os impactos da criação de bovinos na Amazônia ou o total desrespeito às normas internacionais de bem-estar animal, em vez de buscar soluções.

5 comentários:

  1. Eu acho interessante sua preocupação com o conforto dos animais e a maneira como os mesmo são transportados. No entanto, quando transportados por companhias sérias e profissionais, os animais são melhor tratados e transportados do que muitos seres humanos na cidade de São Paulo, que viajam em ônibus e trens apinhados de gente, sem conforto ou segurança.
    É triste ver pessoas com tantos títulos investindo tempo e energia em criar polêmica ao invéz de partir para ação e resolver o que relmente importa. Na minha opinião antes de nos preocuparmos com o bem estar animal precisamos ter 100% resolvido o problema do bem estar humano.

    Adriana

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  2. Eu acho interessante sua preocupação com o conforto dos animais e a maneira como os mesmo são transportados. No entanto, quando transportados por companhias sérias e profissionais, os animais são melhor tratados e transportados do que muitos seres humanos na cidade de São Paulo, que viajam em ônibus e trens apinhados de gente, sem conforto ou segurança.
    É triste ver pessoas com tantos títulos investindo tempo e energia em criar polêmica ao invéz de partir para ação e resolver o que relmente importa. Na minha opinião antes de nos preocuparmos com o bem estar animal precisamos ter 100% resolvido o problema do bem estar humano.

    Adriana

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  3. Prezado Bruno, vamos lá.

    1. A Carta Boi discute o assunto com base em argumentos técnicos. Comparar o transporte de animais vivos com o transporte de judeus durante o Holocausto é que é colocar emoção numa discussão que deveria ser técnica.

    2. Qualquer pessoa pode se manifestar livremente em no nosso site, comentando nossas análises. Você não o fez, por isso não publicamos sua réplica. Você está se manifestando no seu próprio blog. Não vamos retirar conteúdo do seu blog, sem sua permissão, e colocar em nosso site.

    3. Colocar um parágrafo jogado da nossa análise em seu blog e perguntar se alguém entendeu a linha de raciocínio é agir de má fé. Quem quiser entender o argumento terá que ler a análise toda.

    4. Qualquer criança sabe que, se perguntar para uma empresa que vende café torrado se ele é ou não melhor do que o café bruto, essa empresa vai responder que sim. Lembrando que o café torrado é um produto industrializado e a carne in natura é simplesmente um produto do desmonte do boi. No atacado, hoje, a carne vale menos que o boi, portanto, não agrega valor. E a questão de agregagação de valor tem que ser discutida da seguinte forma: para quem? Te provo, por A mais B (aliás, está provado na Carta Boi, porque temos dados e trabalhamos com isso), que a exportação de gado em pé agrega valor para a indústria de insumos e para os pecuaristas, que respondem pela maior parte do PIB do agronegócio pecuário.

    5. Muitas das informações que você diz terem sido retiradas da nossa Carta Boi foram, na verdade, retiradas da nossa newsletter. É o caso do índice de mortalidade nos navios, cuja pesquisa foi feita com os exportadores (eles sabem, pois eles exportam. A ONG que você usa de fonte não exporta). Se o índice de mortalidade fosse como o do Holocausto, conforme sugerido por você, esse negócio seria inviável economicamente. Qualquer criança sabe disso.

    6. Não apoiamos "incondicionalmente" o pecuarista. Apoiamos, aqui na Scot Consultoria, a pecuária e seus diversos agentes, fomentando atividades que gerem divisas, emprego e renda, como é o caso da exportação de gado em pé. Se você der uma volta pelo Pará, irá comprovar (in loco) esses benefícios. Eu fiz isso.

    7. De novo. Somos a favor do bem estar animal e de boas práticas de produção ao longo de toda a cadeia produtiva. Acreditamos e fomentamos essa idéia, inclusive junto à Embrapa, através do BPA. Mas ao contrário de você e da ONG, não a usamos como bandeira para impedir que uma atividade se desenvolva. Isso não é produtivo. É improdutivo (pois afeta negativamente a produção).

    Att

    Fabiano R. Tito Rosa
    Scot Consultoria

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