quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

COPENHAGUE É UMA FESTA

Uma super delegação com 870 pessoas, centenas de ONGs, milhares de verdes de carteirinha, um ministro midiático, uma ministra aloprada, meia dúzia de governadores de Estado, os três principais candidatos à Presidência da República e o “pop-star” da política internacional, o presidente Lula.
Para o Brasil, Copenhague foi uma festa, embora os resultados da COP-15, a grande conferência mundial sobre mudanças climáticas realizada em dezembro último na capital da Dinamarca, tenham frustrado o mundo.
Carlo Lovatelli, presidente da Associação Brasileira de Agribusiness (Abag), foi um dos que voltaram da Dinamarca decepcionado. “A maioria dos países jogou para a torcida”, reclama ele.
Nesta entrevista exclusiva para a revista SÍNTESE AGROPECUÁRIA de feveiro, que antecipo aos leitores do Blog, Lovatelli analisa os resultados da COP-15 e prevê grandes oportunidades para o Brasil no mercado mundial de carbono.


SÍNTESE AGROPECUÁRIA - Muita gente voltou de Copenhagenn falando do fracasso da COP 15, a conferência mundial sobre mudanças climáticas; outros disseram que foi um bom começo. O senhor esteve lá. Qual é a sua impressão?
CARLO LOVATELLI - Eu sabia que não seria fácil um consenso entre tanta gente, com problemas tão delicados. A plataforma é mais ou menos comum até a hora de se calcular como serão cumpridas as promessas. Os critérios para se calcular a redução da emissão de gases efeito estufa, por exemplo, não são comparáveis, e as bases são diferentes. Não havia uma base construída a partir de um demarcador comum, devidamente acordado previamente estabelecido. É como construir um prédio a partir do 49º andar. É complicado e hipócrita. Em Copenhage, a maioria dos países jogou para a torcida, empurrando as resoluções com a barriga. Alguns países se aproveitaram dessa situação para fazer um charme, como o Brasil. O presidente Lula saiu-se muito bem; os europeus adoram o Lula e ele sabe trabalhar muito bem isso. O presidente fez um discurso extremamente emocional, dizendo que estava frustrado; ele aconselhou os países em desenvolvimento a não usar o FMI, não contraírem dívidas, por causa do cálculo de juros. Ele garantiu que iria ajudar os países em desenvolvimento, que eles não precisariam pedir dinheiro a ninguém, mas essas promessas não podem ser feitas sem passar pelo Congresso, então tudo é muito relativo.

S.A. - Como o senhor avalia a participação dos EUA na conferência de Copenhage?
C.L. - Os americanos prometeram fazer reduções significativas, dentro do critério deles, mas se reservavam o direito de controlar o que os demais países estariam fazendo. Os chineses disseram que iriam fazer de acordo com o cronograma deles, com as suas possibilidades, porque eles querem crescer antes de começar a acordar, e ninguém vai poder controlar nada, só eles mesmos. Como toda em qualquer decisão na COP deve ter consenso, aí a situação degringolou de vez. O duro é ver a situação de alguns países africanos e insulares do Pacífico -- alguns que eu nunca tinha ouvido falar--, e que estão numa situação de penúria total, ameaçados de sumir do mapa literalmente com o aumento das marés. Bastam 20, 50 centímetros de subida da maré e eles somem, viram náufragos. O Obama [Barack Obama, presidente dos EUA) poderia ter ficado em casa, fez um papel lamentável. Mas é compreensível porque ele é presidente de um país onde não existe Medida provisória, tudo lá deve ser aprovado pelo Congresso. Portanto, ele está com as mãos amarradas. A Europa anda na cola dos americanos. O único país que de uma certa forma se sobressaía dos demais foi o Reino Unido. Os outros se fecharam em torno do não acordo, sem se comprometerem.

S.A. – O resultado frustrou o mundo inteiro.
C.L. - Foram duas semanas inteiras, mas o que valeu foram os últimos dias. Não houve nem tempo hábil de consenso de coisa alguma. O presidente Lula se queixou que havia participado de uma reunião pequena com os EUA, China , África do Sul, União Européia e alguns outros países. Foi um núcleo para montar um consenso alternativo e botar algo na mesa, para não sair de mãos abanando. Ele disse que ficou nesta reunião até de madrugada. E reclamou que não se conformava como pessoas com tanto poder de decisão não fossem capazes de chegar a um consenso.

S.A. - A proposta brasileira de redução das emissões de CO2 foi de fato ousada como afirmaram alguns analistas e pesquisadores? Afinal, o corte das emissões de gases efeito estufa, no caso brasileiro, tinha como base o futuro, o que o país poderia vir a emitir. Não parece uma jogada de marketing?
C.L.- Em parte é isso. Jogada de marketing, sem dúvida. O pessoal do Itamaraty é muito competente para fazer esse tipo de coisa, e o Brasil ficou bem na foto. Vale dizer que a delegação brasileira em Copenhagen era a maior de todas, só perdia para a Dinamarca, a dona da casa. A ONU na COP-15 deixou a prerrogativa de nomear membros da delegação aos próprios países. Os EUA tinham cerca de 50 delegados e entre 200 e 300 participantes observadores. O Brasil levou 870 delegados; todas as ONGs e empresas brasileiras eram delegadas do Brasil e conseguiam entrar até nas áreas mais reservadas. Foi uma jogada do Itamaraty, mas que também não ajudou muito. Toda a pressão dos empresários em cima da questão do pagamento por serviços ambientais, para ver se conseguíamos viabilizar alguma proposta positiva para a Amazônia, não deu em nada. A grande verdade é que eles [os países desenvolvidos] não querem pagar essa conta. Eles são os maiores beneficiados pelos nossos produtos sustentáveis, mas querem que façamos o nosso dever e ponto final.

S.A - Eu estava lendo um artigo publicado na Agroanalysis há cinco atrás, que dizia que o mercado mundial de crédito de carbono girava em torno de US$ 1 bilhão em transações anuais. Isso em 2005. Hoje, esse mercado movimenta US$ 136 bilhões. Um grande crescimento em apenas cinco anos.
C.L. – É um mercado que vem crescendo fortemente. E vejo nisso uma grande oportunidade de negócios espetaculares. Têm que ser feitos alguns ajustes de conduta da nossa parte. Para diminuir a nossa parte do passivo, nós somos o quinto maior emissor hoje. A China já passou os EUA, que são responsáveis por 40% da emissão de CO2 do mundo. Nós somos o 5º e se fizermos alguns ajustes de conduta nos projetos que estão em curso, vamos passar a ser credores monumentais. Então muita gente vai ter que pagar pelos nossos créditos. Sem dúvida, vai ser um mercado muito importante de divisas para o Brasil num futuro próximo.

S.A. – A iniciativa privada de certa forma não está passando a frente dos governos na área ambiental. Os bancos não emprestam mais dinheiro para empresas que degradam o ambiente; as grandes companhias incorporaram os compromissos ambientais à sua gestão; supermercados não compram mais carne de frigoríficos que aceitam como fornecedores pecuaristas que desmatam a floresta; e os próprios consumidores já estão investigando a procedência e a sustentabilidade dos alimentos que adquirem nos supermercados. A sociedade está se antecipando às ações governamentais.
C.L. - Sem dúvida, é uma das grandes mudanças que a gente percebeu nos últimos meses. No momento que a iniciativa privada ficou com um pouco mais de fôlego, pós-crise, ela começou a agir e percebeu rápido que se não se comportar de forma adequada, dentro dos critérios da sustentabilidade ambiental e social, vai perder mercado. O consumidor está demandando produtos sustentáveis. Está mais bem informado sobre o que lhe convém, e hoje a informação é “real time”. Os nossos produtos têm que passar por um novo tipo de adequação, não só de qualidade técnica e econômica. Como as regras públicas deste jogo estão sendo criadas de forma muito lenta, principalmente no Brasil, diante dos conflitos entre os ministérios, as empresas resolveram se antecipar. O mercado demanda uma velocidade muito maior, até como barreira não-tarifária. Quem não tiver produto adequado vai sair do mercado.

S.A. - Na hora em que os governos resolverem agir de fato, vai haver pouca coisa a fazer, porque a sociedade já fez.
C. L - Deixa os homens fazerem [a iniciativa privada], que depois a gente regulamenta. Essa parece ser a lógica da maioria dos governos hoje na área ambiental.

S.A. – Deixa eles fazerem, que depois a gente atrapalha.
C. L. – [risos]. É isso mesmo. Mas veja que já temos exemplos bem positivos da ação das empresas na área ambiental, como a moratória da soja. Também está correndo bem a moratória da carne, comandada por três grandes frigoríficos e o Greenpeace. Claro que o caso da carne é muito mais complicado do que a soja.

S.A. - Falando em soja, os produtores vão conseguir rentabilidade este ano?
C.L. - O preço caiu 11%, porque a oferta está muito grande. Os três grandes produtores mundiais (EUA, Brasil e Argentina) vão bater seus recordes: 65 milhões de t para nós, 53 milhões para a Argentina, 93 milhões nos EUA. Vai sobrar soja. E o real está muito valorizado. Com certeza, nas regiões produtoras mais afastadas, com logística mais cara, caso do norte de Mato Grosso, a lucratividade será comprometida nesta safra.

S.A. – Mas algum dinheiro, eles vão fazer.
C. L. - Com certeza. Já tivemos situações muito piores. Ainda tem uma certa dívida rolando, mas muitos produtores se adequaram a isso, começaram a usar um pouco de capital próprio, redesenharam seu perfil, e a coisa agora está muito lógica e justa. A US$ 9 o bushel, a soja ainda dá algum lucro.

S.A. - E o biodiesel ? Por que não vai para a frente?
C.L. - Está muito dependente da soja. Hoje 87% da matéria prima de biodiesel vêm da soja. O óleo de soja não é o mais indicado para biodiesel. O carro-chefe da soja é o farelo. Têm óleos mais viáveis para se fazer biocombustíveis, como o dendê. Só é viável quando ele é produzido nas zonas de produção de soja. Uma fábrica de biodiesel em Mato Grosso, com soja de lá, para consumo na região, é bastante competitiva. Pode competir com o diesel que vem de Santos.

S.A. O senhor vê a possibilidade de o Brasil exportar mais etanol ou os nossos clientes em potencial vão ficar protelando até conseguirem seu próprio combustível renovável?
C.L. - O etanol ainda não é uma commodity. Temos barreiras técnicas como a Europa. Na verdade, eles estão querendo pular essa parte do biocombustível, desenvolvendo a célula combustível, de terceira geração. Além disso, o lobby do petróleo é muito forte. Algumas indústrias automobilísticas da Europa têm como acionistas majoritários companhias produtoras de petróleo. Os europeus são muito resistentes. O etanol vai ser sempre um combustível acessório. Não vai substituir o petróleo. No máximo, vai chegar a sete ou oito por cento do total.

S.A. - A energia solar é pouco usada no Brasil, embora sejamos um país tropical.
C.L. - O problema da energia solar é o investimento inicial que é alto. Depois, ele até se paga. Num país tropical como o nosso deveria ser mais usado, até nas casas. Temos que utilizar mais a energia eólica. Boa parte dos equipamentos da energia eólica é feito no Brasil, em uma fábrica do Rio Grande do Sul, que exporta as peças para a Alemanha.

S.A. - Quais são as perspectivas para o agronegócio este ano?
S.A. - Vai ser um ano interessante, mas não espetacular até porque o dólar não ajuda muito. E ninguém vai mexer no dólar em um ano eleitoral. Eu vi uma nota na Veja em que o Sérgio Correa, presidente do PSDB, declarava que está na plataforma do PSDB a mudança na política cambial. Acho extremamente temerário falar qualquer coisa. O dólar a R$ 1,72 é um absurdo para o exportador, para todo mundo. Isso tem que mudar, mas eu não falaria isso num ano eleitoral.

S.A. – Por falar em ano eleitoral. Você esteve com a Dilma e o Serra em Copenhage. Qual é a avaliação que tem deles em relação à questão ambiental?
C.L. - Especificamente em Copenhage, o Serra se saiu muito bem, enquanto a Dilma foi bastante mal. Ficou mais ou menos patente para nós que não é a praia dela, não é uma área que ela domina. Ela andou tropeçando, ficou nervosa, perdeu um pouco o controle de algumas declarações e chegou a colocar o [governador] Blairo Maggi no Mato Grosso do Sul. Cometeu muitas gafes. O Serra estava muito preparado, embora não seja uma área que ele domina. O governador de São Paulo falou muito bem. O Minc também foi bem. Ele sabe usar a mídia.

S.A. - Como o senhor vê a briga entre o ministro do Meio Ambiente e a senadora Kátia Abreu, que envolvendo também o ministro Stephanes, da Agricultura?
C.L. - A senadora exagera um pouco. Ela entra em choque direto. Mas está fazendo um bom trabalho na Confederação da Agricultura e da Pecuária do Brasil, que reflete algumas teses muito boas. Ela tem um poder de convocatória bastante forte. E botou a CNA pra trabalhar de fato, eles estão produzindo muito mais.

S.A. - Não chegou a hora de a CNA adotar uma postura mais positiva e menos atrasada em relação à questão ambiental. Uma proposta mais construtiva?
C.L. - Ela está fazendo a parte dela, na visão dela, claro. Tem aí o Código Florestal para ser aprovado. A CNA colocou várias entidades para participar do processo e está discutindo o código ambiental. Claro que existem pontos conflitantes, mas acho que a coisa está começando a ficar mais arredondada. O Ministério do Meio Ambiente também está muito menos restritivo do que ele era no tempo da Marina. Aliás, a Marina Silva [ex-ministra do Meio Ambiente] estava no nosso painel na COP 15, e falou muito bem sobre Aliança para o Clima. A Marina é uma referência para os demais candidatos na área de meio ambiente. Quando ela diz que o patamar tem que ser XPTO, os outros partem disso para tentar justificar a agenda deles. No exterior, a Marina tem uma presença muito forte.

S.A. – Não é à toa, ela é muito respeitada. É a sucessora do Chico Mendes, uma personalidade até hoje muito forte no exterior.

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