Uma super delegação com 870 pessoas, centenas de ONGs, milhares de verdes de carteirinha, um ministro midiático, uma ministra aloprada, meia dúzia de governadores de Estado, os três principais candidatos à Presidência da República e o “pop-star” da política internacional, o presidente Lula.
Para o Brasil, Copenhague foi uma festa, embora os resultados da COP-15, a grande conferência mundial sobre mudanças climáticas realizada em dezembro último na capital da Dinamarca, tenham frustrado o mundo.
Carlo Lovatelli, presidente da Associação Brasileira de Agribusiness (Abag), foi um dos que voltaram da Dinamarca decepcionado. “A maioria dos países jogou para a torcida”, reclama ele.
Nesta entrevista exclusiva para a revista SÍNTESE AGROPECUÁRIA de feveiro, que antecipo aos leitores do Blog, Lovatelli analisa os resultados da COP-15 e prevê grandes oportunidades para o Brasil no mercado mundial de carbono.
SÍNTESE AGROPECUÁRIA - Muita gente voltou de Copenhagenn falando do fracasso da COP 15, a conferência mundial sobre mudanças climáticas; outros disseram que foi um bom começo. O senhor esteve lá. Qual é a sua impressão?
CARLO LOVATELLI - Eu sabia que não seria fácil um consenso entre tanta gente, com problemas tão delicados. A plataforma é mais ou menos comum até a hora de se calcular como serão cumpridas as promessas. Os critérios para se calcular a redução da emissão de gases efeito estufa, por exemplo, não são comparáveis, e as bases são diferentes. Não havia uma base construída a partir de um demarcador comum, devidamente acordado previamente estabelecido. É como construir um prédio a partir do 49º andar. É complicado e hipócrita. Em Copenhage, a maioria dos países jogou para a torcida, empurrando as resoluções com a barriga. Alguns países se aproveitaram dessa situação para fazer um charme, como o Brasil. O presidente Lula saiu-se muito bem; os europeus adoram o Lula e ele sabe trabalhar muito bem isso. O presidente fez um discurso extremamente emocional, dizendo que estava frustrado; ele aconselhou os países em desenvolvimento a não usar o FMI, não contraírem dívidas, por causa do cálculo de juros. Ele garantiu que iria ajudar os países em desenvolvimento, que eles não precisariam pedir dinheiro a ninguém, mas essas promessas não podem ser feitas sem passar pelo Congresso, então tudo é muito relativo.
S.A. - Como o senhor avalia a participação dos EUA na conferência de Copenhage?
C.L. - Os americanos prometeram fazer reduções significativas, dentro do critério deles, mas se reservavam o direito de controlar o que os demais países estariam fazendo. Os chineses disseram que iriam fazer de acordo com o cronograma deles, com as suas possibilidades, porque eles querem crescer antes de começar a acordar, e ninguém vai poder controlar nada, só eles mesmos. Como toda em qualquer decisão na COP deve ter consenso, aí a situação degringolou de vez. O duro é ver a situação de alguns países africanos e insulares do Pacífico -- alguns que eu nunca tinha ouvido falar--, e que estão numa situação de penúria total, ameaçados de sumir do mapa literalmente com o aumento das marés. Bastam 20, 50 centímetros de subida da maré e eles somem, viram náufragos. O Obama [Barack Obama, presidente dos EUA) poderia ter ficado em casa, fez um papel lamentável. Mas é compreensível porque ele é presidente de um país onde não existe Medida provisória, tudo lá deve ser aprovado pelo Congresso. Portanto, ele está com as mãos amarradas. A Europa anda na cola dos americanos. O único país que de uma certa forma se sobressaía dos demais foi o Reino Unido. Os outros se fecharam em torno do não acordo, sem se comprometerem.
S.A. – O resultado frustrou o mundo inteiro.
C.L. - Foram duas semanas inteiras, mas o que valeu foram os últimos dias. Não houve nem tempo hábil de consenso de coisa alguma. O presidente Lula se queixou que havia participado de uma reunião pequena com os EUA, China , África do Sul, União Européia e alguns outros países. Foi um núcleo para montar um consenso alternativo e botar algo na mesa, para não sair de mãos abanando. Ele disse que ficou nesta reunião até de madrugada. E reclamou que não se conformava como pessoas com tanto poder de decisão não fossem capazes de chegar a um consenso.
S.A. - A proposta brasileira de redução das emissões de CO2 foi de fato ousada como afirmaram alguns analistas e pesquisadores? Afinal, o corte das emissões de gases efeito estufa, no caso brasileiro, tinha como base o futuro, o que o país poderia vir a emitir. Não parece uma jogada de marketing?
C.L.- Em parte é isso. Jogada de marketing, sem dúvida. O pessoal do Itamaraty é muito competente para fazer esse tipo de coisa, e o Brasil ficou bem na foto. Vale dizer que a delegação brasileira em Copenhagen era a maior de todas, só perdia para a Dinamarca, a dona da casa. A ONU na COP-15 deixou a prerrogativa de nomear membros da delegação aos próprios países. Os EUA tinham cerca de 50 delegados e entre 200 e 300 participantes observadores. O Brasil levou 870 delegados; todas as ONGs e empresas brasileiras eram delegadas do Brasil e conseguiam entrar até nas áreas mais reservadas. Foi uma jogada do Itamaraty, mas que também não ajudou muito. Toda a pressão dos empresários em cima da questão do pagamento por serviços ambientais, para ver se conseguíamos viabilizar alguma proposta positiva para a Amazônia, não deu em nada. A grande verdade é que eles [os países desenvolvidos] não querem pagar essa conta. Eles são os maiores beneficiados pelos nossos produtos sustentáveis, mas querem que façamos o nosso dever e ponto final.
S.A - Eu estava lendo um artigo publicado na Agroanalysis há cinco atrás, que dizia que o mercado mundial de crédito de carbono girava em torno de US$ 1 bilhão em transações anuais. Isso em 2005. Hoje, esse mercado movimenta US$ 136 bilhões. Um grande crescimento em apenas cinco anos.
C.L. – É um mercado que vem crescendo fortemente. E vejo nisso uma grande oportunidade de negócios espetaculares. Têm que ser feitos alguns ajustes de conduta da nossa parte. Para diminuir a nossa parte do passivo, nós somos o quinto maior emissor hoje. A China já passou os EUA, que são responsáveis por 40% da emissão de CO2 do mundo. Nós somos o 5º e se fizermos alguns ajustes de conduta nos projetos que estão em curso, vamos passar a ser credores monumentais. Então muita gente vai ter que pagar pelos nossos créditos. Sem dúvida, vai ser um mercado muito importante de divisas para o Brasil num futuro próximo.
S.A. – A iniciativa privada de certa forma não está passando a frente dos governos na área ambiental. Os bancos não emprestam mais dinheiro para empresas que degradam o ambiente; as grandes companhias incorporaram os compromissos ambientais à sua gestão; supermercados não compram mais carne de frigoríficos que aceitam como fornecedores pecuaristas que desmatam a floresta; e os próprios consumidores já estão investigando a procedência e a sustentabilidade dos alimentos que adquirem nos supermercados. A sociedade está se antecipando às ações governamentais.
C.L. - Sem dúvida, é uma das grandes mudanças que a gente percebeu nos últimos meses. No momento que a iniciativa privada ficou com um pouco mais de fôlego, pós-crise, ela começou a agir e percebeu rápido que se não se comportar de forma adequada, dentro dos critérios da sustentabilidade ambiental e social, vai perder mercado. O consumidor está demandando produtos sustentáveis. Está mais bem informado sobre o que lhe convém, e hoje a informação é “real time”. Os nossos produtos têm que passar por um novo tipo de adequação, não só de qualidade técnica e econômica. Como as regras públicas deste jogo estão sendo criadas de forma muito lenta, principalmente no Brasil, diante dos conflitos entre os ministérios, as empresas resolveram se antecipar. O mercado demanda uma velocidade muito maior, até como barreira não-tarifária. Quem não tiver produto adequado vai sair do mercado.
S.A. - Na hora em que os governos resolverem agir de fato, vai haver pouca coisa a fazer, porque a sociedade já fez.
C. L - Deixa os homens fazerem [a iniciativa privada], que depois a gente regulamenta. Essa parece ser a lógica da maioria dos governos hoje na área ambiental.
S.A. – Deixa eles fazerem, que depois a gente atrapalha.
C. L. – [risos]. É isso mesmo. Mas veja que já temos exemplos bem positivos da ação das empresas na área ambiental, como a moratória da soja. Também está correndo bem a moratória da carne, comandada por três grandes frigoríficos e o Greenpeace. Claro que o caso da carne é muito mais complicado do que a soja.
S.A. - Falando em soja, os produtores vão conseguir rentabilidade este ano?
C.L. - O preço caiu 11%, porque a oferta está muito grande. Os três grandes produtores mundiais (EUA, Brasil e Argentina) vão bater seus recordes: 65 milhões de t para nós, 53 milhões para a Argentina, 93 milhões nos EUA. Vai sobrar soja. E o real está muito valorizado. Com certeza, nas regiões produtoras mais afastadas, com logística mais cara, caso do norte de Mato Grosso, a lucratividade será comprometida nesta safra.
S.A. – Mas algum dinheiro, eles vão fazer.
C. L. - Com certeza. Já tivemos situações muito piores. Ainda tem uma certa dívida rolando, mas muitos produtores se adequaram a isso, começaram a usar um pouco de capital próprio, redesenharam seu perfil, e a coisa agora está muito lógica e justa. A US$ 9 o bushel, a soja ainda dá algum lucro.
S.A. - E o biodiesel ? Por que não vai para a frente?
C.L. - Está muito dependente da soja. Hoje 87% da matéria prima de biodiesel vêm da soja. O óleo de soja não é o mais indicado para biodiesel. O carro-chefe da soja é o farelo. Têm óleos mais viáveis para se fazer biocombustíveis, como o dendê. Só é viável quando ele é produzido nas zonas de produção de soja. Uma fábrica de biodiesel em Mato Grosso, com soja de lá, para consumo na região, é bastante competitiva. Pode competir com o diesel que vem de Santos.
S.A. O senhor vê a possibilidade de o Brasil exportar mais etanol ou os nossos clientes em potencial vão ficar protelando até conseguirem seu próprio combustível renovável?
C.L. - O etanol ainda não é uma commodity. Temos barreiras técnicas como a Europa. Na verdade, eles estão querendo pular essa parte do biocombustível, desenvolvendo a célula combustível, de terceira geração. Além disso, o lobby do petróleo é muito forte. Algumas indústrias automobilísticas da Europa têm como acionistas majoritários companhias produtoras de petróleo. Os europeus são muito resistentes. O etanol vai ser sempre um combustível acessório. Não vai substituir o petróleo. No máximo, vai chegar a sete ou oito por cento do total.
S.A. - A energia solar é pouco usada no Brasil, embora sejamos um país tropical.
C.L. - O problema da energia solar é o investimento inicial que é alto. Depois, ele até se paga. Num país tropical como o nosso deveria ser mais usado, até nas casas. Temos que utilizar mais a energia eólica. Boa parte dos equipamentos da energia eólica é feito no Brasil, em uma fábrica do Rio Grande do Sul, que exporta as peças para a Alemanha.
S.A. - Quais são as perspectivas para o agronegócio este ano?
S.A. - Vai ser um ano interessante, mas não espetacular até porque o dólar não ajuda muito. E ninguém vai mexer no dólar em um ano eleitoral. Eu vi uma nota na Veja em que o Sérgio Correa, presidente do PSDB, declarava que está na plataforma do PSDB a mudança na política cambial. Acho extremamente temerário falar qualquer coisa. O dólar a R$ 1,72 é um absurdo para o exportador, para todo mundo. Isso tem que mudar, mas eu não falaria isso num ano eleitoral.
S.A. – Por falar em ano eleitoral. Você esteve com a Dilma e o Serra em Copenhage. Qual é a avaliação que tem deles em relação à questão ambiental?
C.L. - Especificamente em Copenhage, o Serra se saiu muito bem, enquanto a Dilma foi bastante mal. Ficou mais ou menos patente para nós que não é a praia dela, não é uma área que ela domina. Ela andou tropeçando, ficou nervosa, perdeu um pouco o controle de algumas declarações e chegou a colocar o [governador] Blairo Maggi no Mato Grosso do Sul. Cometeu muitas gafes. O Serra estava muito preparado, embora não seja uma área que ele domina. O governador de São Paulo falou muito bem. O Minc também foi bem. Ele sabe usar a mídia.
S.A. - Como o senhor vê a briga entre o ministro do Meio Ambiente e a senadora Kátia Abreu, que envolvendo também o ministro Stephanes, da Agricultura?
C.L. - A senadora exagera um pouco. Ela entra em choque direto. Mas está fazendo um bom trabalho na Confederação da Agricultura e da Pecuária do Brasil, que reflete algumas teses muito boas. Ela tem um poder de convocatória bastante forte. E botou a CNA pra trabalhar de fato, eles estão produzindo muito mais.
S.A. - Não chegou a hora de a CNA adotar uma postura mais positiva e menos atrasada em relação à questão ambiental. Uma proposta mais construtiva?
C.L. - Ela está fazendo a parte dela, na visão dela, claro. Tem aí o Código Florestal para ser aprovado. A CNA colocou várias entidades para participar do processo e está discutindo o código ambiental. Claro que existem pontos conflitantes, mas acho que a coisa está começando a ficar mais arredondada. O Ministério do Meio Ambiente também está muito menos restritivo do que ele era no tempo da Marina. Aliás, a Marina Silva [ex-ministra do Meio Ambiente] estava no nosso painel na COP 15, e falou muito bem sobre Aliança para o Clima. A Marina é uma referência para os demais candidatos na área de meio ambiente. Quando ela diz que o patamar tem que ser XPTO, os outros partem disso para tentar justificar a agenda deles. No exterior, a Marina tem uma presença muito forte.
S.A. – Não é à toa, ela é muito respeitada. É a sucessora do Chico Mendes, uma personalidade até hoje muito forte no exterior.
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