quarta-feira, 31 de março de 2010

ETANOL NA MIRA DAS PETROLEIRAS

"Cedo ou tarde a tarifa americana ao etanol brasileiro vai cair”


"Queremos apenas um pequeno espaço deste imenso mercado de biocombustíveis”
"Temos uma Itaipu e meia adormecida nos canaviais brasileiro”



MARCOS SAWAYA JANK
Presidente da União das Indústrias de Cana-de-Açúcar

Entrevista à Sintese Agropecuária



É cedo para se falar em internacionalização da indústria sucroalcooleira ou em processo de desnacionalização da produção de etanol, mesmo porque o setor é profundamente nacional e dominado por empresas familiares. Esta é a avaliação de Marcos Sawaya Jank, presidente da Unica (União das Indústrias de Cana de Açúcar), sobre as recentes parcerias e aquisições, como o negócio entre a Cosan e a Shell.

Para comprovar sua tese, Jank cita números da Unica: "há cinco anos, a participação estrangeira era de 6%, e agora, após a negociação entre a Cosan e a Shell, deve subir para 22%. Ou seja, ainda é baixa se comparada a outros setores, como o de agroquímicos, fertilizantes e soja", diz o presidente da Unica.

“O que chama atenção nestes negócios é o interesse crescente das petroleiras pelo etanol de cana”, ressalta Jank, reconhecendo que isto pode contribuir para a derrubada da taxação imposta pelos EUA ao biocombustível brasileiro. Para Jank, o setor passa sim por um veloz processo de concentração. “Há cinco anos, os cincos maiores grupos tinham 12% do mercado sucroalcooleiro; hoje têm quase 30%”.

SÍNTESE AGROPECUÁRIA Este processo de concentração não pode resultar na desnacionalização do setor?
MARCOS SAWAYA JANK - A tendência é você ter cada vez mais grandes grupos, mas eles não serão necessariamente internacionais. A Cosan continua sendo um grupo nacional, ainda que tenha feito esta parceria com a Shell. Temos a Odebrecht e vários outros grupos nacionais que estão crescendo, caso da São Martinho, da São João, do grupo Santa Terezinha. Tem uma série de empresas médias, que se montarem parcerias interessantes --e não precisa ser com empresas estrangeiras--, pode se tornar consolidadoras. Essa idéia que a consolidação passa necessariamente por empresas internacionais é falsa. Também têm grandes grupos nacionais que podem aportar capital.

S.A - O interesse de grandes grupos estrangeiros pelo etanol não pode ser um bom sinal. Um indício de que o protecionismo dos EUA está próximo do fim, ou seja, de que a tarifa para a importação de etanol brasileira, imposta pelos americanos, possa cair logo?
MSJ - Depende um pouco do grupo que entra. Você teve operações bem interessantes acontecendo. A vinda das petroleiras aponta nesta direção que você falou. A chegada da BP, agora da Shell em parceria com a Cosan. E devem vir outras para cá. Veja bem, as petroleiras não estão chegando aqui porque gostam de cana-de-açúcar, mas porque estão sendo obrigadas a reduzir carbono na gasolina. Elas não têm saída. As legislações européia e americana estão obrigando a reduzir a quantidade de carbono na gasolina, e no curto prazo a única maneira de fazer isso é por meio da mistura de etanol ou de biodiesel no diesel. Na medida em que estas empresas fazem estes investimentos, elas serão mais propagadoras de uma abertura comercial. Na verdade, mesmo antes de entrar no Brasil, elas já eram favoráveis ao livre comércio e à queda das tarifas. Agora, o case da Renuka, que comprou a Equipav, é uma outra lógica, é uma lógica do açúcar, porque a Shree Renuka Sugars é a maior refinaria da Ìndia. Eu imagino também que empresas elétricas devam entrar no setor para fazer eletricidade com bagaço de cana; as empresas químicas, com interesse de fazer plásticos.

S.A. -A tarifa dos EUA à importação de etanol brasileiro virou uma espécie de mito do setor. Tipo assim: se não cair a tarifa, a indústria da cana não terá mais futuro. Até que ponto isto é verdade?
MSJ - Realmente é um mito antigo. A tarifa nos impede de ter comércio livre lá fora, mas houve uma conquista importante no mês passado que virou uma espécie de passaporte para o etanol brasileiro. Foi o reconhecimento de que o etanol é um elemento importante para mitigar emissões de gases de efeito estufa. Esta comprovação científica foi reconhecida pela principal agência ambiental dos EUA. Os americanos admitiram que o etanol de cana é três vezes mais eficiente do que o de milho na redução das emissões. Esta notícia não teve muita repercussão na mídia. Mas o trabalho que foi feito para que os americanos reconhecessem o álcool de cana como um biocombustível avançado e semelhante ao álcool de celulose envolveu uma equipe grande de pesquisadores e economistas aqui no Brasil. Talvez seja mais importante ainda do que a queda da tarifa, que cedo ou tarde vai cair mesmo. Nós não estamos querendo substituir o programa de milho americano ou o programa de celulose. Nós queremos apenas um pequeno espaço deste imenso mercado de biocombustíveis renováveis que o mundo vai ter que desenvolver para depender menos do petróleo.

S.A- O Brasil está muito atrás dos americanos nas pesquisas do chamado biocombustível de segunda geração ou etanol de celulose?
MSJ - Nós não estamos investindo em pesquisa nem 5% do que os americanos estão. Mas também não estamos preocupados em investir em etanol celulósico. Nos EUA, existe um mandato que estabelece 57 bilhões de litros de álcool para milho, 15 bilhões para etanol de cana e 60 bilhões para etanol avançado de celulose. Há subsídios governamentais nos EUA para se fazer etanol celulósico, algo em torno de US$ 1 por galão, se não me engano. Isto gera toda uma corrida em busca deste combustível, que hoje é muito caro. No Brasil, a gente usa celulose para fazer eletricidade. E vai continuar assim, enquanto não tiver demanda para álcool. Por que fazer mais etanol se não tem demanda para isto? Nós já temos hoje um excedente que temos que exportar, e não há mercado garantido para ele. Ainda por muito tempo, a cana de açúcar no Brasil terá como destino na parte de seu suco o etanol e o açúcar, e, na biomassa, a eletricidade.

S..A - Como anda a bioeletricidade nas usinas? Está crescendo?
MSJ - Hoje só 20% das usinas exportam eletricidade. Apenas 88 das 430 usinas. É praticamente nada. Hoje geramos 3%, mas poderíamos ampliar a produção de eletricidade para cerca de 15% da matriz energética brasileira. Temos uma Itaipu e meia adormecida nos canaviais brasileiros e próxima aos grandes centros de consumo. E mais: produzindo energia no meio do ano, que é um período de seca. Se todas esta cana estivesse gerando biomassa para fazer eletricidade, o país não precisa ligar usinas térmicas à carvão ou ao óleo diesel nos períodos em que falta água. Para viabilizar a bioeletricidade, você precisa ter leilões específicos para a energia renovável. Agora finalmente vai ter um neste trimestre.

S.A.- E o mercado do açúcar? Pode-se esperar preços altos também nesta safra?
MSJ - Nesta safra que se inicia, os preços serão bons. As safras de cana do Brasil e da Índia ainda está em fase de recuperação. Ainda será um ano de preços altos. Nós tivemos dois anos de preços ruins e dois anos de preços bons.

S.A. - O preço do etanol na bomba subiu muito no começo deste ano, embora agora já esteja caindo. Estas fortes oscilações não prejudicam a imagem do produto?
MSJ - Esta volatibilidade é ruim para todo mundo: para a imagem do produto, para o consumidor, ao produtor e ao governo.Você começar a safra a R$ 1 na bomba e terminar a R$ 2, não é nada bom.

S.A- Dá para evitar esta volatibilidade?
MJS - Começou muito barato, e terminou muito caro. O ideal é se estivesse no meio do caminho o tempo todo, a R$ 1.50. Mas por quê aconteceu isto? No começo da safra, no auge da crise financeira, as usinas estavam sem capital, os bancos não estavam emprestando para ninguém e as empresas tiveram que vender álcool a qualquer preço para fazer caixa e começar a safra. O álcool foi vendido a um preço baíxissimo, se consumiu álcool loucamente. No primeiro semestre do ano passado, tivemos um crescimento de mais de 30% no consumo em relação ao mesmo período do ano anterior. No segundo semestre, vieram as fortes chuvas, que pararam as usinas, comprometendo a produção e os estoques para a entressafra. Ai os preços dispararam, porque as usinas deixaram de produzir 5 bilhões de litros de álcool e 5 milhões de toneladas de açúcar. Algumas pessoas disseram que o setor deixou de fazer álcool para fazer açúcar, o que não é verdade. Nós não fizemos nem álcool nem açúcar. Mas foram duas coisas atípicas: a chuva e a crise financeira. Como se evita estas oscilações? Com programas mais sólidos de estocagem de produto, com empresas mais bem estruturadas em termos de capital. Nós temos hoje 430 usinas nas mãos de 200 grupos econômicos. Se tívessemos 430 unidades produtivas nas mãos de 30 ou 40 grupos econômicos mais sólidos financeiros, não haveria aquela corrida para vender álcool a qualquer preço no começo da safra, e portanto não faltaria combustível no final da safra, e a volatibilidade seria bem menor.

S.A. -Para onde a cana está se expandindo? Para os cerrados?
MSJ - A cana está indo para as áreas de pasto e de agricultura. A cana vai para onde tem usina, diferente da soja. Ela vai para 30 km em torno de uma usina, ela não anda como o boi. A cana não tem sido uma cultura que desmata. O que os estudos mostram é que hoje a cana ocupa 60% de áreas de pasto e 40% de áreas de agricultura.

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